terça-feira, 23 de setembro de 2014

Bicicletada de Primavera


Na próxima sexta-feira 26/09, irá acontecer a Bicicletada da Primavera, manifestação idealizada pelo Movimento Massa Crítica. A proposta é defender a mobilidade das bicicletas e outros veículos não motorizados pelas ruas da cidade. Além de diminuir gastos com combustível e passagens de ônibus, as bicicletas proporcionam bem estar físico, mental, qualidade de vida e preservação da natureza, argumentam Priscila Reis e Janos Biro dois dos idealizadores desse Movimento em Goiânia. Eles nos esclareceram em entrevista quais são as propostas e motivações para essa manifestação.

1 - Qual é a proposta principal do Bicicletada, quais são os benefícios que a bicicleta pode trazer para nossa sociedade?

Priscila  -  A proposta principal é combater a cultura hegemônica do automóvel de uma forma leve, apenas estando na rua pedalando e mostrando que é possível e muito melhor optar por bicicletas (e outros veículos não motorizados) enquanto meio de transporte urbano.
Além dos benefícios individuais, como diminuição do estresse e melhorar a saúde (mental e física),  reduzir gastos com transporte, a bicicleta proporciona um novo olhar sobre os locais em que se circula, nos fazendo ter maior intimidade com a cidade e seus detalhes (o que passa despercebido dentro de um carro ou de ônibus)- e quando você vive a cidade, e não apenas passa por ela, começa a se importar de verdade com ela, dá significação e passa a querer melhorá-la-, gera maior empatia entre as pessoas, contribui para diminuição de gases poluentes (o que mitigaria a gravidade do aquecimento global e também os gastos  com hospitais oriundos dos danos respiratórios), reduz os congestionamentos e a poluição sonora e a violência no trânsito...  Como bicicletas ocupam menor espaço, privilegiando-se as bicicletas, consequentemente não haveria tanta necessidade de se ampliar cada vez mais a malha asfáltica e viadutos, o que além de ser uma poluição visual, contribui para sérios danos ambientais como redução de árvores (desmatam para ampliar as vias, por exemplo) e impermeabilização do solo. Sem falar que por não usar petróleo como combustível, não financia guerras e por não usar álcool não explora mão de obra nos campos nem contribui com monocultura.
Recentemente li uma matéria expondo a experiência de um bairro na cidade de Suwon, na Coréia do Sul.  Durante um mês os moradores foram incentivados a não usarem carros, apenas bicicletas e transporte público. Após 30 dias foi necessário ampliar algumas calçadas e plantar diversas árvores a fim de  tornar os trajetos mais agradáveis e sombreados e notaram uma melhora considerável da qualidade de vida. Ou seja, benefícios em série.

Janos - Complementando, a proposta principal é dar visibilidade aos usuários de veículos não motorizados, como modo de lutar pelo respeito ao espaço que estes têm o direito de ocupar nas cidades. A cultura do automóvel se mostra insustentável em longo prazo, e o uso de meios de transporte alternativos faz parte da proposta de superação dessa cultura. Em todos os lugares que se tem implantado políticas públicas sérias para incentivar o uso da bicicleta, a melhora na qualidade de vida tem sido visível, pelos motivos já citados.
Para resumir, há dois principais benefícios: em relação à saúde, a bicicleta é um ótimo exercício físico e o sedentarismo tem sido considerado fator de risco para a saúde, diminuindo a expectativa de vida e elevando a chance de desenvolver doenças crônicas. Em relação às questões sociais, a bicicleta possibilita a transposição do espaço urbano sem tanto isolamento, o que significa uma maior interação entre a pessoa e o espaço público, fator fundamental para a implantação de políticas públicas de qualquer tipo. Quem só anda de carro corre o risco de não conhecer sua própria cidade e por isso não se importar muito com o modelo de desenvolvimento urbano sendo aplicado atualmente, pois o carro não permite olhar com atenção para a cidade. Para o motorista, as ruas são apenas espaços de passagem. Os veículos não motorizados possibilitam mover-se e ocupar um espaço ao mesmo tempo, de modo que a cidade deixa de ser paisagem que passa pela janela, algo que acontece “lá fora”, e passa a ser uma realidade na qual estamos inseridos como participantes ativos.
Muitas pessoas gostariam de andar mais de bicicleta, mas não encontram a estrutura apropriada para isso. A Bicicletada visa, em última instância, o fortalecimento do debate público a respeito da mobilidade urbana e da ocupação do espaço urbano.

2 – De onde surgiu a ideia de fazer uma Bicicletada para chamar atenção das pessoas, para uma conscientização maior em relação a esse meio de transporte?

Priscila - Bicicletada é um apelido para o Movimento Massa Crítica que também pode ser chamado de “coincidência organizada”, um movimento independente, horizontal e autogestionado, unindo bicicleta e política, que surgiu em setembro de 1992 em São Francisco (EUA)  de maneira espontânea, como um modo de unir várias pessoas em uma tomada (um tanto festiva) do espaço público. Uma forma de celebrar coletivamente uma vez por mês aquilo que nós bicicleteiros/as fazemos individualmente todo dia, mostrando assim, em forma de “massa”, que existimos e que temos direito às ruas. E assim, chamar atenção para mudanças necessárias no espaço urbano. Como diz o companheiro Janos Biro “Bicicletada não é sobre bicicletas, é sobre mobilidade. Mobilidade urbana, mobilidade do corpo, da mente e do coração”.
A ideia se espalhou pelo globo atingindo 200 países e cerca de 30 cidades no Brasil! Desde que eu conheci o Movimento eu quis fomentar isso em Goiânia. Em 2006, uns amigos e amigas e eu começamos as bicicletadas na capital goiana, pois andávamos muito de bicicleta e participávamos de grupos sociais, políticos, ambientais, essas coisas. Durou um ano, eu acho, e em 2008 um cara (que eu não conhecia, mas entrou em contato  por meio de uma lista de discussão que tínhamos) ressuscitou o movimento, houve uns dois encontros e parou. Eu fui embora de Goiás e voltei há um ano. Como convivo com pessoas que se deslocam pedalando e eu mesma voltei a usar a bike como meio de transporte (e vi o quanto isso me deixa muito feliz e me ajudou muito psicologicamente), quis reiniciar essa movimentação na nossa cidade, principalmente depois de ir pedalando até Pirenópolis. Primeiro porque eu acho importante, segundo porque eu acho divertido, terceiro por motivos pessoais, de voltar a fazer o que eu gostava quando estava aqui, e se isso afetar positivamente as pessoas melhor ainda.

Janos - Nossa cidade foi projetada para os carros. Este modelo urbanístico está relacionado um novo modo de vida que surgiu nos EUA após a II Guerra Mundial. Trata-se de um modo de vida que prioriza o crescimento econômico. Este produziu crescimento urbano desordenado e ocupação irregular do espaço geográfico, concentrando áreas comerciais, industriais e residenciais sem o devido critério, tendo em vista somente o benefício capitalista. O carro se tornou um símbolo desse modo de vida, e por isso a indústria automobilística assumiu um papel central em nossa sociedade.
Em comparação com o carro, veículos como a bicicleta podem parecer lentos e inseguros, mas também representam uma crítica ao modo de vida consumista. As pessoas em todo mundo estão agora percebendo o alto custo social da cultura do automóvel. A Bicicletada está inserida no conjunto de movimentos políticos pós-globalização, que têm buscado criticar o capitalismo e o consumismo com ações diretas e práticas.

3 - Você considera Goiânia uma cidade segura para se locomover livremente de bicicleta? Os carros e ônibus costumam respeitar os ciclistas no trânsito?

Priscila - Acho que nem pra pedestre é! Ônibus, pra mim, é o maior inimigo do ciclista.

Janos - Como muitas capitais brasileiras, Goiânia tem apresentado um crescimento significativo dos problemas relacionados ao trânsito. Os incentivos à indústria automobilística e facilidades de crédito para financiamento de automóveis fez aumentar muito a frota desses veículos em nossa cidade. Mas infelizmente isso não veio acompanhado de um bom planejamento urbano e de ações para educação no trânsito. Vemos em curso uma politica que prioriza a construção de viadutos e vias rápidas, sem ciclovias. O resultado é que Goiânia se tornou insegura para todos que transitam nela. Usuários de bicicleta parecem mais ameaçados porque a bicicleta é frágil e não oferece proteção como o carro. Sem ciclovias e sem a consciência de que a bicicleta deve ser prioridade no trânsito, o ciclista se vê obrigado a competir com os motoristas, arriscando-se. Mas ao mesmo tempo a bicicleta não se move muito rápido, sendo muito mais segura que a motocicleta, por exemplo. Com um trânsito estressante, a chance de um motorista respeitar um ciclista é muito menor.  O motorista em geral só pensa em passar o mais rápido possível e acredita que é dono da rua, como se o ciclista fosse menos importante. O motorista de ônibus tem um agravante, pois sofre pressão da empresa e realmente despreza a vida dos ciclistas.
Um colega nosso sofreu um acidente recentemente e se encontra ferido. Eu nunca sofri um acidente de trânsito, mas evidencio o desrespeito todos os dias. Mais de uma vez, enquanto estava ocupando meu lugar de direito na faixa, ouvi apenas a buzina do ônibus avisando que iria passar, me forçando a invadir a calçada para não ser atropelado. É o famoso “tirar fino”. Os motoristas não percebem o quanto é ruim ser tratado assim simplesmente por usar outro tipo de veículo. É um tipo de intimidação que faz muita gente desistir de andar de bicicleta.

4 – Na próxima sexta-feira dia 26 de setembro, haverá a segunda Bicicletada organizada pelo coletivo Massa Crítica. Nos conte um pouco sobre como foi a primeira e quais são as expectativas para essa próxima manifestação ciclística pelas ruas de Goiânia, há muitos envolvidos?

Priscila - Quando comecei a organizar os eventos, junto com o Janos, já tínhamos na cabeça de esperar umas cinco pessoas só. Mas quando, no facebook, umas 60 pessoas confirmaram presença, confesso que fiquei esperançosa de ver muitas pessoas, mas apareceram catorze (contando com nós dois). Foi legal ver pessoas novas, que não tiveram contatos anteriores com a Massa Crítica, mas eu queria mais, (risos).  Mas foi positivo, houve distribuição de panfletos e uma conversa rápida com alguns participantes depois do “passeio” para troca de ideias e exposição do que cada um/a achou.
 Como é uma “coincidência organizada” não dá para saber quantos são os “envolvidos”. Quem puxa somos eu e o Janos. Tem umas pessoas que são mais entusiastas, por afinidade ideológica, como o compa Paulinho, que é punk.
Os trajetos, por uma questão de autogestão e participação coletiva das decisões, é definido na hora, mas vejo que as pessoas ainda têm um pouco dificuldade com esse tipo de situação, e ficamos tímidos em definir o trajeto. Eu mesma, não soube direito por onde ir, porque sou meio ruim de estratégias e geografia... (risos).  Mas acho que nas próximas a gente vai se afinando e melhorando, até mesmo na questão de andar mais coeso, para garantir a segurança.
Para esse segundo encontro não distribuímos filipetas, a divulgação foi só digital (mas desde a primeira bicicletada houve mais adesão ao nosso grupo no face) nem imprimimos panfletos, mas vamos distribuir flores com a frase “mais flor menos motor”, em ocasião da primavera.

Janos - A primeira Bicicletada foi uma ótima experiência, considerando-se que foi uma retomada de um projeto que ainda vai evoluir muito. O número de participantes não é tão importante, mas sim o envolvimento e a importância que isso vai ter coletivamente, e isso será definido com o tempo.


Página do Grupo Massa Crítica Goiânia: https://www.facebook.com/groups/325246904301586/

Página do evento: https://www.facebook.com/events/853339334711453/


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