Na próxima sexta-feira 26/09, irá
acontecer a Bicicletada da Primavera, manifestação idealizada pelo Movimento
Massa Crítica. A proposta é defender a mobilidade das bicicletas e
outros veículos não motorizados pelas ruas da cidade. Além de diminuir gastos
com combustível e passagens de ônibus, as bicicletas proporcionam bem estar físico, mental, qualidade
de vida e preservação da natureza, argumentam
Priscila Reis e Janos Biro dois dos idealizadores desse Movimento em Goiânia. Eles nos esclareceram em entrevista quais são as propostas e
motivações para essa manifestação.
1
- Qual é a proposta principal do Bicicletada,
quais são os benefícios que a bicicleta pode trazer para nossa sociedade?
Priscila - A proposta principal é combater a cultura hegemônica do
automóvel de uma forma leve, apenas estando na rua pedalando e mostrando que é
possível e muito melhor optar por bicicletas (e outros veículos não
motorizados) enquanto meio de transporte urbano.
Além dos benefícios individuais, como
diminuição do estresse e melhorar a saúde (mental e física), reduzir gastos com transporte, a bicicleta
proporciona um novo olhar sobre os locais em que se circula, nos fazendo ter
maior intimidade com a cidade e seus detalhes (o que passa despercebido dentro
de um carro ou de ônibus)- e quando você vive a cidade, e não apenas passa por
ela, começa a se importar de verdade com ela, dá significação e passa a querer
melhorá-la-, gera maior empatia entre as pessoas, contribui para diminuição de
gases poluentes (o que mitigaria a gravidade do aquecimento global e também os
gastos com hospitais oriundos dos danos
respiratórios), reduz os congestionamentos e a poluição sonora e a violência no
trânsito... Como bicicletas ocupam menor
espaço, privilegiando-se as bicicletas, consequentemente não haveria tanta
necessidade de se ampliar cada vez mais a malha asfáltica e viadutos, o que
além de ser uma poluição visual, contribui para sérios danos ambientais como
redução de árvores (desmatam para ampliar as vias, por exemplo) e
impermeabilização do solo. Sem falar que por não usar petróleo como
combustível, não financia guerras e por não usar álcool não explora mão de obra
nos campos nem contribui com monocultura.
Recentemente li uma matéria expondo a
experiência de um bairro na cidade de Suwon, na Coréia do Sul. Durante um mês os moradores foram
incentivados a não usarem carros, apenas bicicletas e transporte público. Após 30
dias foi necessário ampliar algumas calçadas e plantar diversas árvores a fim
de tornar os trajetos mais agradáveis e
sombreados e notaram uma melhora considerável da qualidade de vida. Ou seja,
benefícios em série.
Janos - Complementando, a proposta principal é dar visibilidade
aos usuários de veículos não motorizados, como modo de lutar pelo respeito ao
espaço que estes têm o direito de ocupar nas cidades. A cultura do automóvel se
mostra insustentável em longo prazo, e o uso de meios de transporte alternativos
faz parte da proposta de superação dessa cultura. Em todos os lugares que se
tem implantado políticas públicas sérias para incentivar o uso da bicicleta, a
melhora na qualidade de vida tem sido visível, pelos motivos já citados.
Para resumir, há dois principais
benefícios: em relação à saúde, a bicicleta é um ótimo exercício físico e o
sedentarismo tem sido considerado fator de risco para a saúde, diminuindo a
expectativa de vida e elevando a chance de desenvolver doenças crônicas. Em
relação às questões sociais, a bicicleta possibilita a transposição do espaço
urbano sem tanto isolamento, o que significa uma maior interação entre a pessoa
e o espaço público, fator fundamental para a implantação de políticas públicas
de qualquer tipo. Quem só anda de carro corre o risco de não conhecer sua
própria cidade e por isso não se importar muito com o modelo de
desenvolvimento urbano sendo aplicado atualmente, pois o carro não permite
olhar com atenção para a cidade. Para o motorista, as ruas são apenas espaços
de passagem. Os veículos não motorizados possibilitam mover-se e ocupar um
espaço ao mesmo tempo, de modo que a cidade deixa de ser paisagem que passa
pela janela, algo que acontece “lá fora”, e passa a ser uma realidade na qual
estamos inseridos como participantes ativos.
Muitas pessoas gostariam de andar mais
de bicicleta, mas não encontram a estrutura apropriada para isso. A Bicicletada
visa, em última instância, o fortalecimento do debate público a respeito da
mobilidade urbana e da ocupação do espaço urbano.
2
– De onde surgiu a ideia de fazer uma Bicicletada para chamar atenção das
pessoas, para uma conscientização maior em relação a esse meio de transporte?
Priscila
- Bicicletada é um
apelido para o Movimento Massa Crítica que também pode ser chamado de “coincidência
organizada”, um movimento independente, horizontal e autogestionado, unindo
bicicleta e política, que surgiu em setembro de 1992 em São Francisco
(EUA) de maneira espontânea, como um
modo de unir várias pessoas em uma tomada (um tanto
festiva) do espaço público. Uma forma de celebrar coletivamente uma vez por mês
aquilo que nós bicicleteiros/as fazemos individualmente todo dia, mostrando
assim, em forma de “massa”, que existimos e que temos direito às ruas. E assim,
chamar atenção para mudanças necessárias no espaço urbano. Como diz o
companheiro Janos Biro “Bicicletada não é sobre bicicletas, é sobre mobilidade.
Mobilidade urbana, mobilidade do corpo, da mente e do coração”.
A ideia se
espalhou pelo globo atingindo 200 países e cerca de 30 cidades no Brasil!
Desde que eu conheci o Movimento eu quis fomentar isso em Goiânia. Em 2006, uns
amigos e amigas e eu começamos as bicicletadas na capital goiana, pois
andávamos muito de bicicleta e participávamos de grupos sociais, políticos,
ambientais, essas coisas. Durou um ano, eu acho, e em 2008 um cara (que eu não
conhecia, mas entrou em contato por meio
de uma lista de discussão que tínhamos) ressuscitou o movimento, houve uns dois
encontros e parou. Eu fui embora de Goiás e voltei há um ano. Como convivo com
pessoas que se deslocam pedalando e eu mesma voltei a usar a bike como meio de
transporte (e vi o quanto isso me deixa muito feliz e me ajudou muito
psicologicamente), quis reiniciar essa movimentação na nossa cidade,
principalmente depois de ir pedalando até Pirenópolis. Primeiro porque eu acho
importante, segundo porque eu acho divertido, terceiro por motivos pessoais, de
voltar a fazer o que eu gostava quando estava aqui, e se isso afetar
positivamente as pessoas melhor ainda.
Janos
- Nossa cidade foi
projetada para os carros. Este modelo urbanístico está relacionado um novo modo
de vida que surgiu nos EUA após a II Guerra Mundial. Trata-se de um modo de
vida que prioriza o crescimento econômico. Este produziu crescimento urbano
desordenado e ocupação irregular do espaço geográfico, concentrando áreas
comerciais, industriais e residenciais sem o devido critério, tendo em vista
somente o benefício capitalista. O carro se tornou um símbolo desse modo de
vida, e por isso a indústria automobilística assumiu um papel central em nossa
sociedade.
Em comparação com o carro, veículos
como a bicicleta podem parecer lentos e inseguros, mas também representam uma
crítica ao modo de vida consumista. As pessoas em todo mundo estão agora
percebendo o alto custo social da cultura do automóvel. A Bicicletada está
inserida no conjunto de movimentos políticos pós-globalização, que têm buscado
criticar o capitalismo e o consumismo com ações diretas e práticas.
3
- Você considera Goiânia uma cidade segura para se locomover livremente de
bicicleta? Os carros e ônibus costumam respeitar os ciclistas no trânsito?
Priscila
- Acho que nem pra
pedestre é! Ônibus, pra mim, é o maior inimigo do ciclista.
Janos
- Como muitas
capitais brasileiras, Goiânia tem apresentado um crescimento significativo dos
problemas relacionados ao trânsito. Os incentivos à indústria automobilística e
facilidades de crédito para financiamento de automóveis fez aumentar muito a
frota desses veículos em nossa cidade. Mas infelizmente isso não veio
acompanhado de um bom planejamento urbano e de ações para educação no trânsito.
Vemos em curso uma politica que prioriza a construção de viadutos e vias
rápidas, sem ciclovias. O resultado é que Goiânia se tornou insegura para todos
que transitam nela. Usuários de bicicleta parecem mais ameaçados porque a
bicicleta é frágil e não oferece proteção como o carro. Sem ciclovias e sem a
consciência de que a bicicleta deve ser prioridade no trânsito, o ciclista se
vê obrigado a competir com os motoristas, arriscando-se. Mas ao mesmo tempo a bicicleta
não se move muito rápido, sendo muito mais segura que a motocicleta, por
exemplo. Com um trânsito estressante, a chance de um motorista respeitar um
ciclista é muito menor. O motorista em
geral só pensa em passar o mais rápido possível e acredita que é dono da rua,
como se o ciclista fosse menos importante. O motorista de ônibus tem um
agravante, pois sofre pressão da empresa e realmente despreza a vida dos
ciclistas.
Um colega nosso sofreu um acidente
recentemente e se encontra ferido. Eu nunca sofri um acidente de trânsito, mas
evidencio o desrespeito todos os dias. Mais de uma vez, enquanto estava
ocupando meu lugar de direito na faixa, ouvi apenas a buzina do ônibus avisando
que iria passar, me forçando a invadir a calçada para não ser atropelado. É o
famoso “tirar fino”. Os motoristas não percebem o quanto é ruim ser tratado
assim simplesmente por usar outro tipo de veículo. É um tipo de intimidação que
faz muita gente desistir de andar de bicicleta.
4
– Na próxima sexta-feira dia 26 de setembro, haverá a segunda Bicicletada
organizada pelo coletivo Massa Crítica. Nos conte um pouco sobre como foi a
primeira e quais são as expectativas para essa próxima manifestação ciclística
pelas ruas de Goiânia, há muitos envolvidos?
Priscila
- Quando comecei a
organizar os eventos, junto com o Janos, já tínhamos na cabeça de esperar umas
cinco pessoas só. Mas quando, no facebook, umas 60 pessoas confirmaram
presença, confesso que fiquei esperançosa de ver muitas pessoas, mas apareceram
catorze (contando com nós dois). Foi legal ver pessoas novas, que não tiveram
contatos anteriores com a Massa Crítica, mas eu queria mais, (risos). Mas foi positivo, houve distribuição de
panfletos e uma conversa rápida com alguns participantes depois do “passeio” para troca de ideias e exposição do que cada um/a achou.
Como é uma “coincidência organizada” não dá
para saber quantos são os “envolvidos”. Quem puxa somos eu e o Janos. Tem umas
pessoas que são mais entusiastas, por afinidade ideológica, como o compa
Paulinho, que é punk.
Os trajetos, por uma questão de
autogestão e participação coletiva das decisões, é definido na hora, mas vejo
que as pessoas ainda têm um pouco dificuldade com esse tipo de situação, e
ficamos tímidos em definir o trajeto. Eu mesma, não soube direito por onde ir,
porque sou meio ruim de estratégias e geografia... (risos). Mas acho que nas próximas a gente vai se
afinando e melhorando, até mesmo na questão de andar mais coeso, para garantir
a segurança.
Para esse segundo encontro não
distribuímos filipetas, a divulgação foi só digital (mas desde a primeira
bicicletada houve mais adesão ao nosso grupo no face) nem imprimimos panfletos,
mas vamos distribuir flores com a frase “mais flor menos motor”, em ocasião da
primavera.
Janos - A primeira Bicicletada foi uma ótima
experiência, considerando-se que foi uma retomada de um projeto que ainda vai
evoluir muito. O número de participantes não é tão importante, mas sim o
envolvimento e a importância que isso vai ter coletivamente, e isso será
definido com o tempo.
Página do Grupo Massa Crítica Goiânia: https://www.facebook.com/groups/325246904301586/
Página do evento: https://www.facebook.com/events/853339334711453/
Página do Grupo Massa Crítica Goiânia: https://www.facebook.com/groups/325246904301586/
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